O desenvolvimento humano pode ser observado por meio de mudanças quantitativas e qualitativas (não mensuráveis) que vão acontecendo nas várias etapas pelas quais passamos ao longo de todo o ciclo de vida. Enquanto as mudanças quantitativas se referem aos aspectos físicos do crescimento, as qualitativas abrangem as modificações do desenvolvimento, como as cognitivas (capacidades mentais) e as socioemocionais (interações). Essas mudanças acontecem de maneira ordenada, são comuns à maioria das pessoas, e servem para nos tornar competentes para responder às nossas necessidades e às do nosso meio.
Na vida intrauterina, alguns aprendizados já ocorrem como ouvir a voz da mãe e outros sons externos, sugar os dedos, se movimentar e até perceber diferenças de luminosidade. Depois que nascemos, começamos a ter contato com uma série de novos estímulos, exigindo capacidades de adaptação cada vez mais complexas – ao que o nosso cérebro e nosso corpo respondem se aperfeiçoando e desenvolvendo cada vez mais habilidades, de acordo com os estímulos oferecidos e o estágio de maturidade biológica em que nos encontramos.
A primeira infância, em especial os 3 primeiros anos de vida (chamados de primeiríssima infância), é o período em que a arquitetura do cérebro está se formando. As experiências vividas pela criança nesse período têm um impacto importante e duradouro no seu desenvolvimento, podendo formar uma base cerebral forte ou frágil para a aprendizagem, o comportamento e a saúde, ao longo da vida. Os fatores genéticos contribuem no caminho do desenvolvimento, mas as experiências (principalmente as experiências de 0 a 3 anos de vida) podem modificar alguns traços herdados geneticamente. Apesar da plasticidade cerebral, ou seja, da capacidade do cérebro para ser modificado, permanecer pela vida toda, é na primeiríssima infância que ela acontece com maior velocidade e intensidade. Vivenciar experiências positivas na primeira infância influencia na formação de uma arquitetura cerebral mais apta para superar dificuldades. Essas experiências positivas e a consequente melhor estruturação cerebral preparam a criança para ter maior sucesso na alfabetização, para desenvolver mais habilidades ao longo da vida, para ser mais saudável, mais madura emocionalmente, etc.
Para que o cérebro da criança se desenvolva com qualidade, ela precisa de três tipos de experiências ou vivências básicas e integradas: as sensoriais, as emocionais e as motoras. O cérebro precisa dos estímulos sensoriais porque tudo chega a ele através dos sentidos. Portanto, para desenvolver o cérebro é fundamental pensar na qualidade e variedade das informações para o tato, o olfato, a audição, o paladar e a visão. Já o vínculo afetivo é essencial tanto para proporcionar segurança quanto para motivar a criança em sua adaptação ao novo ambiente. Integrado a esses componentes sensório-emocionais, a criança precisa do movimento, não só para aprender a utilizar o corpo, mas também porque o aprendizado na primeira infância ocorre principalmente por meio das experiências concretas com o mundo. Além disto, para a promoção do desenvolvimento integral, uma boa qualidade de sono e uma alimentação adequada também são essenciais.
Os pais podem e devem oferecer oportunidades para as crianças exercitarem suas capacidades naturais e congênitas de modo que cresçam como solucionadoras de problemas, exploradoras e inventoras. A questão não é como gerar “performance” num nível que nós adultos possamos definir, mas como oportunizar o máximo no estágio em que a criança esteja, proporcionando condições físicas, emocionais e materiais, em que a criança seja a protagonista e o adulto o coadjuvante ou contrarregra.
Os bebês constroem conhecimento agindo sobre os objetos. Depois expandem seu conhecimento correlacionando o novo com o que já sabem e, por fim, apropriam-se do conhecimento pela prática (repetição). Brincar com o próprio corpo propicia a descoberta de si, sendo a mão o primeiro brinquedo. Inicialmente, não há necessidade de brinquedos, até que a criança mostre interesse em tocá-los.
Na fase seguinte, a criança passa a manipular um objeto. São indicados, então, objetos fáceis de pegar, leves, que possam ser levados à boca e que possibilitem a descoberta de suas características e propriedades, como a noção de causalidade (diferentes ações com um mesmo objeto e a mesma ação com diferentes objetos, observando atentamente o efeito) e a permanência do objeto (começa perceber a si mesma e ao objeto como duas unidades independentes e de existência constante), que juntamente com a noção de espaço e tempo permitem à criança construir sua percepção de realidade e organizar o pensamento lógico.
O desenvolvimento cognitivo progride para a manipulação de dois objetos, o que possibilita comparar semelhanças e diferenças, dimensões (maior-menor), relações espaço-temporais (dentro-fora, em cima-embaixo, antes depois, etc), causalidade e permanência do objeto.
Na fase seguinte, a criança passa a manipular vários objetos, possibilitando a organização, o agrupamento e a classificação por tamanho, cor, classe, forma, textura, etc. Essas situações desenvolvem noções físicas e matemáticas, de quantidade, lógica da contagem (um de cada vez), volume, noções espaço-temporais (conteúdo-continente). A criança que tenta manter posse dos objetos recolhidos também experimenta o conceito de meu, seu e nosso.
Na etapa seguinte, a criança passa a ser capaz de fazer construções. No eixo vertical (empilhar), vemos a relação dessa capacidade com a aquisição da marcha. Já no eixo horizontal, a criança alinha e seria objetos. Em seguida, as construções ganham tridimensionalidade e conteúdo simbólico (casa, estacionamento, cidade, fazenda, etc).
O brincar de faz de conta marca a evolução cognitiva da criança para a próxima fase. Inicialmente, ela representa o vivido (imitação do adulto, cuidados recebidos). Depois cria com pares, participando e organizando o faz de conta, que é uma grande oportunidade de descentrar-se. Gradativamente, as crianças percebem a importância de dividir, compartilhar, esperar e cooperar. Qualquer objeto permite desenvolver uma brincadeira. Os menos estruturados, mais inespecíficos e mais simples são os que facilitam o maior desdobramento da fantasia e criatividade, e ajudam na elaboração de situações da vida cotidiana.
Por isso, sugerimos que nessa situação de maior distanciamento social, os pais favoreçam o brincar em qualquer situação, pois isso será de grande importância para um desenvolvimento cognitivo e emocional saudável não apenas agora, mas que irá repercutir ao longo de toda a vida.
Referências Bibliográficas:
- BEE H. A Criança em Desenvolvimento. 11ed. Porto Alegre: Artmed, 2011.
- KALLO, E.; BALOG, G. As origens do brincar livre. São Paulo: Omnisciência, 2017.
- Projeto pela Primeira Infância. O crescimento e o desenvolvimento dos 0 aos 5 anos. Disponível em: http://www.projetoprimeirainfancia.com.br/wp-content/uploads/2020/05/Apostila02_web.pdf