Senso de Autonomia e Colaboração

O senso de autonomia é muito importante para o desenvolvimento saudável das crianças: é a autonomia que promove na criança a confiança e a habilidade de seguir suas ideias e planos. 

O desejo por autonomia pode ser percebido desde cedo, se observarmos atentamente um bebê de apenas seis meses em um ambiente seguro, confortável e estimulante, preparado para essa fase de desenvolvimento.Ele olha um objeto que lhe interessa, reúne todas as suas habilidades e esforços para buscá-lo, segurá-lo e testá-lo,a fim de descobrir como o mundo à sua volta funciona. Nesse percurso, a criança começa a perceber as diferentes propriedades dos materiais que manipula e as sensações que essa interação provoca em seu corpo, ela descobre quais movimentos precisa realizar com seus membros para alcançar seus objetivos durante essa exploração. 

Ao contrário do que muitos pensam,a autonomia não pode ser ensinada, é uma capacidade desenvolvida pela criança de modo espontâneo e o papel dos adultos limita-se a oferecer oportunidades para que ela aconteça de maneira saudável e prazerosa.

Muitas vezes, é difícil para os pais lidarem com a necessidade de exploração das crianças pequenas, o que é perfeitamente compreensível, visto que elas ainda não têm autocontrole e noção de perigo, por isso a primeira infância pode ser bastante desafiadora.   É preciso encontrar um equilíbrio entre a proteção dos ambientes e dos adultos e a liberdade que as crianças necessitam de descobrirem suas próprias capacidades. Elas precisam de liberdade dentro de limites seguros e a orientação gentil e firme, para que possam usufruir de sua importante jornada rumo à independência.

Para favorecer o desenvolvimento da autonomia, os adultos precisam considerar a fase de desenvolvimento das crianças, o ritmo individual e oferecer um ambiente seguro e favorável à exploração autônoma, que convide à participação ativa. 

Para Maria Montessori (1870-1952) a educação deve auxiliar o desenvolvimento natural da criança, considerada como um explorador, um pequeno cientista a observar e desvendar o mundo (ANGOTTI, 2007: 107). Segundo ela, o adulto deve observar a criança para poder entendê-la e ao seu desenvolvimento, preparar um ambiente propício para a autonomia e materiais que lhe despertem o interesse, além de oferecer espaço para que ela defina os próprios passos e escolhas, a partir do seu interesse natural e curiosidade.

A atividade autônoma das crianças pequenas também está no centro da abordagem Pikler, que valoriza as brincadeiras espontâneas, com liberdade de movimento e escolhas. As  crianças podem interagir com objetos e espaços diversificados, a partir das próprias intencionalidades, por meio de seus próprios esforços, dosados e regulados por elas próprias, sem a interferência ou estimulação direta dos adultos.

Nesse processo também é fundamental aos adultos cultivarem uma atitude paciente e observadora, que controle impulsos, evite movimentos mecânicos, intervenções supérfluas e inoportunas, respeite o ritmo de cada criança, por confiar na capacidade dela em realizar ações competentes de maneira autônoma, utilizando o repertório de comportamentos de que dispõe, em determinada fase de seu desenvolvimento.

Sabemos que a casa nem sempre é um espaço preparado para as livres  explorações dos pequenos, e para alguns pode ser extremamente difícil entender que alguns objetos não podem ser investigados nesse percurso de exploração. Neste momento, é preciso bom senso, para decidir tirar ao alcance as “peças que estão fora do jogo”, ou mostrar o limite de maneira firme e gentil , mais de uma vez. É possível oferecer oportunidades de explorar junto com o adulto, com frases, como:

Percebi que você quer ver as flores! Estão tão lindas hoje… Vou mostrar para você na minha mão, porque o vaso pode quebrar se cair.” “ A flor não gosta quando puxamos, ela gosta de água!Vamos regá-la

Depois de colocar o limite, podemos redirecionar a atenção das crianças para algo que podem fazer, com perguntas, como: “Será que o seu ursinho está com fome? O que acha de fazer uma sopa para ele?

Também podemos aproveitar a oportunidade para que as crianças exerçam seu poder de escolhas, oferecendo outras opções aceitáveis, como por exemplo: 

O vaso de flores não é para brincar, porque é de vidro e pode quebrar, mas podemos fazer um castelo bem grande e forte com lego ou com almofadas, o que você prefere? Você decide!”

A Disciplina Positiva defende a ideia de que as escolhas aceitáveis representam uma ótima ferramenta para mostrar os limites e, ao mesmo tempo, gerar oportunidades para que elas possam exercer a sua autonomia, em situações desafiadoras.

Se, desde cedo, as crianças tiverem liberdade para explorar e uma orientação firme e gentil, gradativamente vão desenvolver o senso de autonomia, a autoconfiança e o autocontrole. Nesse percurso, os momentos de cuidados também geram ricas oportunidades para que elas possam desenvolver também o senso de colaboração. Desde as trocas até as refeições, podemos criar oportunidades para a participação das crianças, estabelecendo conexões profundas com elas, antecipando as nossas ações,  abrindo espaços para que elas percebam que podem colaborar e estabelecendo diálogos:

“ Sua fralda está cheia de xixi, vamos trocar?”

Agora vou colocar a sua camiseta, você pode levantar os braços? Obrigada

“Tome a esponja amarela…Você pode  lavar sua barriga se quiser

Essa é a sua colher e eu tenho a minha para te ajudar!

Aos poucos, as crianças vão percebendo que podem colaborar com os adultos e começar a fazer algumas coisas sozinhas, desenvolvendo habilidades de autocuidado. É importante incluir as crianças nas atividades de vida prática, que envolvem desde levar o copo ou o prato na pia  após a refeição, colocar a roupa suja no cesto, guardar os brinquedos após usar ou ajudar a limpar algo que sujou.

O processo de desenvolvimento da autonomia segue algumas etapas, que envolvem a participação do adulto e da criança:

1 – O adulto faz e a criança observa

2 – O adulto faz e a criança ajuda

3 – A criança faz e o adulto ajuda

4 – A criança faz e o adulto observa

Os adultos devem atuar como guias, segundo Maria Montessori, mostrando às crianças os caminhos a seguir, mas deixando-as trilhar por elas mesmas. Para isso, devemos estar abertos aos erros, inerentes ao processo de aprendizagem e considerá-los oportunidades de crescimento e construção do conhecimento para nossas crianças, evitando fazer por elas  aquilo que já são capazes de fazer sozinhas. 

Cada oportunidade que elas tiverem de atuar de forma ativa em seu cotidiano e colaborar, pode contribuir de forma significativa para o desenvolvimento não apenas da autonomia,mas  da autoconfiança e a autoestima, na medida em que se sentem importantes e úteis em seu núcleo familiar e escolar.

Muitos pais têm dúvidas do que a criança é capaz de fazer em cada fase de desenvolvimento. A melhor maneira de descobrir é observar atentamente as atividades espontâneas e autônomas que ela exerce durante as brincadeiras livres, momentos de cuidados  e as oportunidades que têm para revelar as habilidades e competências que está conquistando.

A Tabela Montessori estabelece algumas atividades da vida cotidiana que podem ser propostas às crianças desde cedo, de acordo com cada idade. Podemos aproveitar essas referências para propor muitas outras atividades que convidem as crianças a participação colaborativa e , assim, estimular capacidades e desafios na medida certa!

 

Andrea Caram de Oliveira

Psicóloga e Orientadora educacional da Escola Meu Castelinho

Educadora parental certificada pela Positive Discipline Association

Pesquisadora da abordagem Emmi Pikler

Escola Meu Castelinho

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Itaim Bibi | Pinheiros • São Paulo • SP